“Existem momentos de desfazer laços, cortar ligações. O difícil não é fazê-lo com pessoas que nos magoam, com relações desgastadas, o difícil e doloroso é fazê-lo com aqueles que amamos, com quem nos deixa confortável. É difícil, mas necessário. “O barco está seguro no cais, mas não é para isso que foi construído”, é uma grande verdade. É preciso sair da zona de conforto, principalmente quando esta pressupõe uma pessoa. O conforto tem de vir de dentro de nós, é a única forma de estar sempre ao nosso alcance. Não é justo colocar esta responsabilidade nas costas de alguém que só nos faz bem e por quem temos imenso carinho. Não é justo dizer que não estamos bem porque esse alguém não está presente.
Prefiro pensar que tenho em mim, no meu coração, tudo o que recebi dessa pessoa e isso não vou perder nunca, está cá dentro, embelezou-me a alma e sinto-a sorrir cada vez que penso nisso. Este é o verdadeiro conforto que estou a treinar, ausência física mas presença interior.
O medo atrofia e o medo de perder ata, tira quase o prazer do momento da presença trocando-o pela noção da sua efemeridade e proximidade da ausência. Isto não deixa saborear o agora.
O que se guarda da pessoa em nós, elimina este medo, dá-nos liberdade, acaba com a distância porque esta passa a ser a do pensamento, a do sentimento.
Vou abdicar desta presença que tanto me conforta, porque preciso passar por isto. Vou trocar o limite da partilha de um espaço físico com hora marcada pela partilha espiritual ilimitada, trocar a espera de um momento pela partilha espiritual de todos os momentos.
Tenho de experimentar isto por muito que me custe e permito-me amanhã pensar diferente.
Já me disseram que sou boa aluna mas isso não se vê na sala de aula, debaixo do olhar atento do mestre, vê-se na escola da vida e na atitude a cada momento. Os espíritos não precisam de corpo para estarem e se sentirem próximos. Estarei aqui sempre e para sempre, está em mim um pouco ou muito de cada ser com que me cruzei e cada um pode levar de mim o que quiser.
Sinto-me grata ao universo pela forma complexa e subtil como põe à prova o meu livre arbítrio. O desconforto de ter perdido o lugar que nunca foi meu, foi desta vez suficiente para tomar consciência e virar mais umas páginas, subir mais um degrau. Não quero mais sentir o medo de perder nem que ninguém sinta o mesmo em relação a mim. Estarei desta forma mais presente do que nunca, sem precisar e sem chamar atenção. Temos nestes tempos muitos meios para entrar em contacto com quem queremos, estão ao nosso dispor, não há desculpa para não o fazer e temos o mais poderoso de todos, a telepatia.”
Fernanda Cruz