Encontras-me em ti

 

Todos os escritos são da autoria de Fernanda Cruz

Anda Comigo

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“É mais difícil ser criança hoje do que era há gerações atrás. Quanto mais as observo e vejo o comportamento dos pais, mais me convenço disso.

O mundo é cada vez mais material e os valores para aí se encaminham a passos rápidos. Nas sociedades em que estamos parece-me que está tudo invertido em relação a isto.

Mal vem ao mundo mais um ser e logo entra em competição com todos os outros. Em qualquer conversa com alguém que tem filhos ou familiares de tenra idade é inevitável dizer-se o que a criança já faz ou consegue. Estão em competição nos infantários, na família, nas atividades extra curriculares, em tudo. Não há tempo nem espaço para não estarem. Depois vem as queixas de que são hiperativos.

Experimentem ter um dia como as crianças que vocês educam ou convivem tem. Eles levantam-se à mesma hora, e regressam a casa muitas vezes mais tarde, ou se regressam à mesma hora, é para voltarem a sair, porque ainda faltam atividades.

Porque é que achamos errado aquilo que serviu para nós, para os nossos pais, para os nossos avós? Porque é que eles tem de fazer e experimentar tudo? E se fossemos nós no lugar deles, gostaríamos da vida que lhes proporcionamos?

Todos os seres que vem ao mundo, o que mais procuram é a energia de amor e ligam-se a outras se não a encontram. Tal como acontece com os adultos, as crianças não estão todas a vibrar na mesma frequência, nem tem o mesmo nível de consciência, como tal não podem ser formatadas da mesma maneira. Há que conhecer cada criança e fazer também com que se conheça.

Responder com sinceridade ao que perguntam é fundamental mas sejam também vocês a fazer-lhes perguntas e serão surpreendidos. Aproveitem as perguntas deles e depois das respostas perguntem porque perguntaram, saibam o que os preocupa, o que está por detrás de cada coisa que querem saber.

Quando estão com medo, em vez de apenas os protegerem, perguntem porque tem medo, saibam o que os atormenta, deixem-nos desabafar e façam com que confiem em vós. Para isso é necessário que não entrem em julgamento, pelo contrário, sejam solidários e sinceros. Digam, se for verdade, que um dia também já foram assim, mas que superaram. Passem tempo a conversar com eles, observem-nos, sintam-nos.

Direcionem as atividades para o que eles gostam, para o que lhes dá prazer e confiança, para o que os faz feliz. Passar dias inteiros a jogar e ver vídeos não é com certeza uma forma de serem felizes. Se há algo que querem e não é o melhor para eles, expliquem-lhes isso, com exemplos, e as respetivas consequências. Perguntem do que é que eles gostam e porquê.

Ao reconhecer a capela Sistina como uma das obras de arte mais admiradas, pergunto-me se o Miguel Ângelo teria feito a obra que fez e seria reconhecido se nascesse neste tempo e neste espaço. Li sobre a sua biografia que seu pai se apercebeu de algo diferente e enviou-o para estudar mas "Para a sua frustração, o filho fez pouco progresso na gramática, no latim e na matemática, e roubava tempo dos estudos para procurar a companhia de artistas e desenhar." Provavelmente agora não teria como e onde roubar este tempo, nem poderia procurar companhias afins de seus interesses. Se o pai dele se sentiu frustrado naquela época, imagino os pais de agora e as consequências e diagnósticos psicológicos e psiquiátricos que lhe fariam.

Observemos as crianças e tentemos, dentro das possibilidades de cada um de nós, vê-los como seres individuais e únicos, não entrando em comparações, para que de cada um se possa extrair o seu melhor. Deixemos emergir os Einsteins, os Leonardos da Vinci, os Platões, as Madres Teresas, os Ghandis, os Mozarts, e todos os seres que existiram e deixaram marcas da sua existência, e que admiramos por isso. Não obriguem um Cristiano Ronaldo a ser cirurgião mas também não obriguem um Bill Gates a ser o melhor a jogar à bola.

Se lhes exigirmos serem como os outros, eles irão direcionar-se para aí, mas é mesmo isso que queremos?

Tomemos consciência que não estão todos ao mesmo nível mas que cada um tem o seu lugar e pode ser muito bom nisso. Provavelmente o Mozart não teria dado um bom médico, nem informático, nem gestor, e poderia até nem ser um bom estudante, mas ainda assim, séculos depois da sua existência, é considerado um fenómeno.

Cada ser traz consigo sabedoria guardada e a tarefa dos pais, educadores e de todos os que com eles convivem, é ajudá-los a chegar a essa sabedoria. Se existem traumas e medos, estes são os primeiros que devem ser eliminados, são as camadas mais densas que os impedem de lá chegar.

Será que sabemos mesmo o que é melhor para eles? Será que estamos a criar expectativas que nos trarão mais frustrações do que alegrias? Só não tem estas dúvidas quem não pára para pensar no assunto mas devemos ter presente que a vida tem mais imaginação do que nós e que devemos deixar uma margem livre para que os verdadeiros rumos possam ser tomados, para que estes seres maravilhosos que surgem nas nossas vidas possam florescer, possam abrir as asas e voar.”

 

 

 

Fernanda Cruz

 

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