“Todos acham que o perdão é das coisas mais bonitas que existe. Perdoar e ser perdoado é algo que só os muito nobres de espírito conseguem... Não concordo, mesmo. O que vale não é o perdão mas sim a intenção.
Vamos então ver no dicionário:
Intenção - Desígnio deliberado de praticar tal ou tal ato. Resultado da vontade depois de admitir uma como projecto. Vontade, desejo. Pensamento secreto e reservado.
Perdão - Remição da culpa. Fórmula de polidez empregada quando se perturba alguém.
Assim sendo, se temos a intenção de dizer ou fazer algo sabendo que vai ferir outra pessoa, faz sentido pedir desculpa depois? O pedido de desculpa não retira o que foi dito, nem a dor que isso causou. É como já li em algum sítio, peçam desculpa ao copo que deixaram cair e que partiu e vejam se ele volta a ser um copo.
Ensinamos às crianças a pedir desculpa como se isso retirasse o mal que fizeram... Errado. Preocupa-me a forma como se ensina as crianças a usar essa palavra. Se fizeram mal e não sabiam, não lhes digam para pedir desculpa porque a culpa não estava lá e não se pode fazer a remição de algo que não existe. Se sabem que estão a fazer mal e fazem na mesma, não é por pedirem desculpa que vão remediar a situação ou que não a vão repetir logo que possível. Expliquem o que e porque está mal e quando compreenderem, ensinem-lhes a dizer: eu não sabia, não voltarei a fazer. Tem que se atuar na causa e eliminá-la.
No que respeita aos adultos, quase sempre há intenção. Se eu tinha intenção de fazer a que propósito pediria desculpa? Para que a culpa do que fiz me seja retirada? E será retirada só porque alguém disse que me desculpava? Não vejo assim as coisas.
Eu até já sabia que as desculpas não se pedem, evitam-se. É aí que temos de atuar, não na quantidade de vezes que pedimos desculpa mas na quantidade de vezes que evitamos pedi-las. Aí sim, aí vamos eliminando as causas e alterando cá dentro a forma de sentir.
Assim, cada vez mais tento não utilizar essa palavra, e tenho-me esforçado nesse sentido. Acontece que ainda a uso em situações que considero importantes, até que alguém me faça ver o contrário. É no desculpar, no perdoar. Aqui tem que se ter cuidado redobrado. Perdoar pode agir apenas no ego. Dizer "eu até perdoei" como quem quer mostrar que é melhor que o outro pode fazer-nos o contrario do que era suposto, fazer-nos sentir superiores. Então quando alguém nos pede perdão e perdoamos, devemos analisar muito bem que tipo de emoção ou sentimento tal ato provocou.
No meu caso, se realmente a pessoa está arrependida, se diz que não era aquela a intenção, não consegue viver com o mal que acha que me fez, se a vai fazer sentir melhor consigo mesma o facto de eu dizer "perdoo-te", digo, mas ainda assim explico que se não era a intenção então não há lugar para perdoar, há apenas lugar para mais uma lição aprendida e não me magoa ter sido eu o meio para que possa subir mais um degrau.
Se me pedem desculpa porque fica bem mas sem qualquer arrependimento, cabe-me a mim em primeiro lugar ter meios para não me ter deixado influênciar, e em segundo lugar chamar a pessoa à razão e dizer: "pedes-me perdão porque estás arrependido? se pudesses voltar atrás farias de outra forma? não vais voltar a fazer?" A pessoa em causa rapidamente se apercebe que não há lugar para aparências mas para sentimentos. E na próxima vez ou não o fará ou não pedirá perdão, tendo consciência que, por muito superficial que esse pedido seja, a intenção de aliviar a culpa ao pedi-lo, não irá acontecer.
Não deixemos o copo partir, não preguemos mais pregos na tábua sabendo que mesmo que os retiremos, o furo continuará lá.
Mas o perdão mais difícil, que exige mais, é perdoarmo-nos a nós próprios. Como fui capaz de dizer, de fazer ou de sentir aquilo? Trabalhemo-nos para que cada vez menos surjam estas perguntas na nossa cabeça, com a certeza de que se surgirem, será apenas mais um aprendizado no lugar da ignorância e do desconhecimento, mais uma página escrita no livro das lições aprendidas, e infinitas situações más evitadas no futuro, porque já sabemos fazer de outra forma.
Mas como o mundo não é só como eu o vejo, como tenho a consciência de que amanhã posso pensar diferente e tenho esse direito, há uma frase de Mark Twain sobre o perdão puro que eu gosto: “O perdão é a fragrância que a violeta derrama no calcanhar quem a esmaga.”
Fernanda Cruz