Encontras-me em ti

 

Todos os escritos são da autoria de Fernanda Cruz

Desabafo

Estrela inativaEstrela inativaEstrela inativaEstrela inativaEstrela inativa
 

 

“Gosto de olhares que respondem a perguntas que nem cheguei a fazer, de conversas sem palavras, de abraços sem corpo... Sintonias que existem mas são raras, presentes de Deus...

Gosto de palavras inventadas desenhando o que se quer dizer, de relações sem rótulos por não haver palavras para as definir, gosto da espontaneidade, de sorrisos que não se conseguiram evitar, de presentes desembrulhados, sim desembrulhados porque não gosto de surpresas nem de nada enfeitado, nem de desperdícios, nem de distrações. Gosto de simplicidade, de naturalidade, de essências...

Gosto de presença. A presença, a mim não me deixa margem para mal entendidos. Na presença sinto e dispenso palavras e atitudes. Sinto e depois tenho de lidar com essas palavras e atitudes que muitas vezes mostram o contrário do que senti que são sempre certezas. Máscaras colocadas para se enganar até os próprios que as colocam. Fico cheia de conclusões e sem qualquer argumento. Verdades escondidas do mundo. Para mim as pessoas são quase transparentes mas isso a maior parte das vezes não é agradável. Não crio ilusões e nem me desiludo. É difícil lidar com isto pois faz-me afastar de pessoas que aparentemente não me fizeram mal nenhum e gostar de outras que me são quase indiferentes. É como fazer um raio-x aos sentimentos.

Já vi muitos lobos com pele de cordeiro (topo-os a léguas) e cordeirinhos com pele de lobo. Estes são os únicos que consigo desmascarar frontalmente e dizer: já te vi, a mim não me enganas. As suas expressões mudam ao encarar-me e trocam o semblante carregado pelo sorriso doce e o olhar terno. É fácil lidar com eles pois a máscara é apenas para se protegerem. Normalmente pedem segredo, não querem ser desvendados.

Depois há também mendigos com trajes de reis e reis vestidos de trapos. Os primeiros passam horas ao espelho para terem a certeza que os remendos não ficam à vista e os últimos nem espelhos usam pois têm a certeza que o que os espera no seu reflexo é um mendigo. Vejo-os com asas enormes e contornos brilhantes, seres de luz. Fico fascinada e disfarço para não os assustar. São normalmente humildes mas o olhar denuncia-os. O olhar, a energia que irradiam e a vibração que têm. Como é difícil ficar longe depois de descobrir. Conforta-me o contacto noutra dimensão, aquele que eu acredito, e o facto de existirem já é por si só um conforto. Um pedacinho de céu, um vislumbre do outro lado.

E os intitulados bruxos que afinal tem asas em vez de vassoura e os pseudo-anjos que só conseguem voar agarrados a uma? Nem comento.

Existem pessoas que querem ser um exemplo e outras que são e nem desconfiam. As que se apresentam cinzentas e têm um arco-íris dentro delas e as que são muito coloridas por fora mas cinza e de cinza por dentro.

Cada ser humano é único mas ao mesmo tempo é uma infinidade de realidades. É único para cada outro ser humano. Acho que não há sequer duas pessoas que tenham a mesma percepção em relação a uma terceira. É tudo muito complexo, principalmente quando se vê e sente muito para além do óbvio.

Não gosto que me peçam a opinião sobre alguém porque não gosto de mentir. Se disser o que realmente sinto e penso tenho todos as hipóteses de ser mal interpretada, e normalmente sou. Por isso se responder com um encolher de ombros na impossibilidade de não responder de todo, gosto que aceitem. Se tiverem um pouco de respeito por mim aceitam ou não me fazem perguntas dessas. Como se pode definir uma pessoa? Se alguém me tentar definir a mim já errou à partida. Estou em constante mudança. Não sou sequer a mesma que começou a escrever este texto.

Gosto de pessoas a quem posso dizer toda a verdade, tudo o que sinto e que não me vão julgar. Quer dizer, não gosto, gostava... que existissem. E como gostava. Compreendo a distância que alguns precisam manter, por causa das aparências que também precisam manter. Compreendo tudo mas muitas vezes é difícil.

É por isso que gosto de olhares que respondem a perguntas que nem cheguei a fazer, de conversas sem palavras, de abraços sem corpo... Sintonias que existem mas são raras, presentes de Deus...”

Fernanda Cruz

 

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