“Frequentemente se fala em arrependimento e remorsos. Isto é algo que me ocorre cada vez menos. Habituei-me a viver de forma a dizer e fazer tudo o que sinto que devo, com todos, para que no passo seguinte não tenha vontade de voltar atrás.
Sei que sou muito frontal e que não é esta a forma mais usual do comportamento humano. Quando me questiono, sem entrar em julgamentos, porque é que isto acontece, rapidamente me apercebo que esta frontalidade tem muito mais a ver com ser o mais verdadeira possível comigo própria do que a necessidade de que o outro saiba e seja confrontado com a minha verdade. Em relação ao outro, apenas espero com a minha verdade despertar também a dele.
O facto das pessoas não serem sinceras faz-me confusão pois em primeiro lugar é a si próprias que estão a enganar. Já me tentaram explicar que às vezes isto acontece porque as pessoas entendem que se não verbalizarem algo, é como se isso não existisse, não está materializado. Mas está, só que cá dentro...
Tudo o que fingimos que não existe, fica cá dentro a magoar. E magoa em cada atitude, palavra ou pensamento usado para contrariar a sua existência, porque o que não se aceita distancia a pessoa de si mesma e da sua verdade. Só ao lidar com cada verdade escondida podemos aceitarmo-nos e ao fazê-lo somos mais felizes, mais completos, porque nada está excluído.
O que somos é o que está guardado, não o que mostramos, e quando o que mostramos é muito diferente do que sentimos, criam-se as máscaras, e as mais difíceis de tirar são as da negação, da não aceitação de algo, impedindo-nos de caminhar para a verdadeira felicidade. As aparências existem para que os outros nos aceitem e quem sai mais enganado é quem as cria.
Há quem pense que não se pode mexer na ferida mas se uma ferida estiver sempre tapada não vai cicatrizar. Às vezes até "cura em falso" e por baixo da pele aparentemente cicatrizada está uma grande infeção. Há feridas que tem de estar expostas para que a cura aconteça e mesmo que tenham de estar protegidas, deve-se limpar e desinfetar com frequência. Neste aspeto vejo as feridas emocionais e espirituais como as do corpo.
Dizer que não se sabe, por exemplo, a causa de uma depressão, é fruto disto.
Querer a todo o custo mostrar felicidade é criar um embrulho bonito para um presente partido.
Só a partir do momento em que se assume o que se sente, o bom e o mau, se pode trabalhar para enaltecer o que de melhor temos e eliminar o que não gostamos em nós, limpando tudo o que nos incomoda e nos atrofia.
Aceito todas as minhas cicatrizes, mas as feridas se existem são para ser curadas, em consciência do que são e com determinação e vontade de deixarem de o ser. O bem estar vem daí e esse poder está em nós.”
Fernanda Cruz