“E como nos podemos conhecer melhor a nós mesmos?
Analisando os pensamentos, as acções e omissões e os sentimentos que temos. Para além disto, há a tal vontade de querer ser melhor que está directamente ligada ao querer conhecer-se melhor. Quem se tenta conhecer melhor vai automaticamente querer ser melhor.
Imaginemos que Deus é o sol que aquece e ilumina na dimensão certa e imaginemos um homem que tenha sempre vivido sem nunca o ter visto ou sentido. Este homem tem de ter várias camadas de roupa e assegurar-se que terá sempre mais roupa disponível pois a ausência deste calor não o permitirá estar confortável se assim não for. Ao saber da existência do sol, ainda que nem o saiba definir, pode escolher continuar na situação que estava ou pode ir ao seu encontro, mas sabe que se for, terá de se desfazer dessas roupas, não as usando nunca mais e que poderá até ficar completamente despido para se sentir bem, confortável. Por outro lado tem a garantia de que não mais terá frio. Quem escolhe ficar na escuridão e vê o outro avançar para a luz, sem sentir o calor, apenas analisando os actos de quem vai, pensa que ali é que está bem, ninguém lhe irá tirar nada, não tem que se desfazer do que lhe dá conforto e não ficará despido, mas o que realmente vai, jamais tem vontade de voltar à escuridão. Os que estão na escuridão até podem troçar da nudez do que avançou para a luz, mas os que estão com ele na luz sabem que é assim que tem de ser se eles próprios também já tiveram de se despir. Estar despido passa a ser a forma natural de estar.
Assim acontece com a consciência. Quando queremos seguir o caminho para Deus livramo-nos de muito do que até aí eram os padrões do bem e do mal pois só pela consciência nos seguimos. Não há dois estados de consciência iguais e em cada um ela pode estar sempre em evolução. Quem quer estar no caminho para Deus ou no conhecimento de si mesmo tem de se permitir liberdade de movimentos, pensamentos e sentimentos porque há nisto uma dinâmica que não permite rigidez.
Ao conhecermos o conforto da energia divina, estamos dispostos a largar a zona de conforto que conhecíamos até aí, por sabemos que teremos sempre o que precisarmos, por mais difícil que seja a tarefa que nós próprios nos propusemos cumprir. É como se nos propuséssemos chegar a um determinado sítio. Decidimos ir de carro mas se mais à frente virmos que o caminho é estreito e irregular, temos de deixar o carro e ir a pé, optando então por um bom calçado. Se mais à frente aparecer um riacho, esse bom calçado de nada nos serve, teremos de tirar e meter os pés na água, por mais fria que seja, porque o nosso objectivo é sempre chegar ao sítio proposto. Temos de nos ir adaptando.
Às vezes as etapas são tão difíceis que pensamos que não é aquele o caminho que queremos seguir mas a força vem de sabermos, de forma mais ou menos consciente, que sem cumprir aquela etapa não chegaremos onde queremos. Isto não é fácil pois não é assim tão explícito. Por vezes vemo-nos numa situação em que a nossa racionalidade diz que não pode ser por aí o caminho, se o que está a ser proposto é algo que, se usarmos julgamento, consideraríamos mau.
Então por onde nos devemos guiar? Quais as regras infalíveis se cada ser é um universo? Como me posso seguir pelas regras do outro para chegar a mim mesma? Pois aqui está o verdadeiro desafio. Cumprir regras é fácil, difícil é permitir que a consciência aumente cada vez mais e aceitar que ela se manifeste em nós no que sentimos, aceitar que temos de ir contra as regras ensinadas quando ao cumpri-las sentimos um desconforto cá dentro, uma dor dentro do peito, um desassossego. Voltamos a analisar com o que aprendemos e fomos até aí e pensamos: fiz tudo certo, porque é que me sinto assim? E este assim pode ser tristeza, vazio, peso, desconforto, desassossego, dormência. Estes são os verdadeiros testes e aí é precisa a coragem de fazer diferente, de seguir o coração e ver que afinal a consciência mandou-me fazer diferente das regras que aprendi, já para não dizer que virá também o julgamento e o apontar de dedo dos outros. Ainda assim, depois deste fazer diferente, vem sensações contrárias às que referi. Sente-se um preenchimento, um conforto, uma paz que até ali era impensável. É aqui que vem a sensação de dever cumprido. Esta sensação não se consegue manipular, vem do espírito, da verdade de cada um. Ainda que possa parecer que num ato destes se pode estar a magoar ou fazer mal a alguém, isto é só aparência, e mal entendidos só acontecem se esse outro não estiver a analisar-se também.
Há quem escolha ficar na escuridão e a consciência deles manda-os ficar com toda a roupa que puderem, mas esses nunca chegarão a conhecer-se, nunca se verão nus, nunca conhecerão a sensação do toque do outro, porque todas aquelas protecções não os impedem só de ter frio, impedem também de sentir o calor, não só de Deus, mas do próximo. Eu acredito que quem olha para dentro de si mesmo e não apenas ao seu redor, está à procura de Deus, ainda que não lhe chame assim.
Acredito que quem se procura a si mesmo, nunca irá parar ao caminho errado. Acredito que quem está em constante análise e auto ajuda conseguirá chegar ao seu propósito.
Se assim não é, como é então? Como e porquê me sinto desassossegada e sufocada depois de fazer o que entendia como certo e a sociedade também me ensinou como tal? Quando vem os "testes" é por estarmos a fazer algo errado ou porque queremos subir mais um degrau? Se eu decidir ficar por minha vontade e uso de livre arbítrio, num determinado patamar, provavelmente não serei mais testada e tudo na minha vida estará controlado, estável e aparentemente no sítio certo. Mas sei que a minha vontade maior é evoluir e sei que isto me impulsiona aos maiores desafios, a sensações de insegurança que vão testar a minha fé, a factos e aparências que me vão desestabilizar se eu acreditar e me guiar apenas por eles, sabendo que há os fatores espirituais a considerar por detrás de cada um. Sei que personalidade forte não é sinónimo de personalidade rígida. Sei que não posso virar costas e abandonar o que me faz sentir amor.”
Fernanda Cruz