Encontras-me em ti

 

Todos os escritos são da autoria de Fernanda Cruz

Obrigada

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"Agradeço-te, não te conheço, não sei quem és mas agradeço-te. Obrigada por seres já parte de mim, por poder contar contigo nos piores momentos, por me sossegares quando mais ninguém o consegue fazer. Foi difícil para mim acreditar que não és apenas a minha imaginação, que posso ser digna de tal presente divino.

Não te peço perdão porque tu mais do que ninguém sabes a minha intenção a cada momento.

Nas aflições segredas-me poucas mas poderosas palavras que oiço com a alma. Às vezes nem segredas, apenas tocas o coração, e eu sinto, a dor abranda, o conforto instala-se. Ultimamente, não me lembro de nenhum momento bom que tenha chegado sem ti, sem que o tivesses impulsionado. Devo dar-te muito trabalho e ainda assim não desistes. E foi contigo que aprendi a não desistir.

Abres-me o coração quando estou perante as pessoas que sabes que me podem ajudar, eu sinto-o. E não deve ser fácil abri-lo, levei anos a tentar mantê-lo fechado, por ignorância, por medo de sofrer, por achar que a cabeça é que deve estar no controlo, não o deixando expôr-se a emoções.

Acreditava que as emoções são para os fracos, que o sofrimento deve ser escondido, que amar é para os masoquistas, que gostar expõem-nos ao ridículo, que a cabeça é a nossa amiga e o coração só a quer atrofiar.

Amor e inteligência eram para mim incompatíveis. Tentei teimosamente amarfanhar o amor que sentia, escondendo-o de tudo e de todos. Este amor que tira a lógica de tudo, que ultrapassa qualquer limite, que vai além de qualquer raciocínio e que por isso sempre me assustou.

Porque não me apercebi que me acompanhavas, não te conseguia ouvir, tiveste de pôr pessoas no meu caminho em que tropecei para as conseguir considerar. Pessoas escolhidas a dedo e que muniste com uma lanterna para me indicarem o caminho que se foi construindo e me levou a outras, cada uma com o seu momento certo. E que seleção refinada fizeste para mim. As lanternas que lhes deste permitiram-lhes ver o que eu tinha escondido até de mim própria, mostrando-me que não adiantava mais esconder, que não havia mais lugar para guardar.

E doeu, doeu abrir um coração em ferida, a rebentar pelas costuras de tão cheio que estava. Teve de ser aos pouquinhos para que não sucumbisse de uma vez. Aos pouquinhos porque o mundo estava a mudar e as pessoas também, ou por outra, a forma como os via. Como sair de um quarto escuro de repente para a luz. Afinal, muito do que os outros não viam em mim era apenas porque eu lhes escondia.

Tiveste de me virar do avesso para compreender que era ao contrário. Que o lado certo de ver o mundo é o do amor, quer na razão quer na emoção, sempre o amor. Não foi fácil, levei muitos abanões da vida. Talvez os necessários para enxergar o que não queria ver.

Mostraste-me que esta intuição, este sexto sentido, não era o inimigo irracional que sempre combati, mas o melhor dos aliados. E só tinha de estar atenta. Mostraste-me, porque ainda que me gritasses eu não era capaz de ouvir. Tive de aprender da forma mais dura pois não soube aproveitar quando me quiseste ensinar a bem.

Como me conheces tão bem, tiveste o requinte de me empurrar para algo que me era totalmente desconhecido dando-me a ferramenta que eu precisava para manter as explicações de tudo o que não fazia sentido antes. A ferramenta e os professores, os "acordadores", sim pois a função deles não foi ensinar, foi mais acordar. E como caprichaste nos meus "acordadores", tanto que acredito que não poderiam ser outros nem melhores. Foste tu que me mostraste e estarei eternamente grata por mos teres posto na minha vida. Foram eles que me ensinaram a abrir o coração e a ouvir-te. E souberam que eu era capaz de conseguir. Foram as primeiras as pessoas que vi com um contorno brilhante, sua luz é tanta que não cabe dentro deles.

Abrir o coração e sentir amor quase incondicional (digo quase pois o puro só Deus o tem por nós, mas para lá caminhamos) é acima de tudo senti-lo em nós, mesmo que pelos outros, é em nós que o sentimos. E temos de saber gerir algo que é ilimitado, dando e canalizando sem muitas vezes o poder demonstrar em ações e palavras. Isto também foste tu que me mostraste. Agora consigo amar sem ter, desejar bem sem que seja meu, querer a felicidade mesmo que me seja negada a partilha da convivência.

Lanças-me desafios difíceis mas sei que o fazes porque acreditas mais em mim do que eu própria. Sabes que vou superar e me vou assim aperceber que esse degrau que subi não irei descer mais, porque me dás equilíbrio suficiente para que não precise de pôr o pé atrás.

E és tão paciente comigo. Sabes que ainda não estou preparada mesmo quando eu penso ter a situação sob controlo e fazes-me esperar, e nessa espera mostras-me como realmente ainda não era o momento e que se aquilo que eu tanto desejava tivesse acontecido, eu não saberia tirar todo o proveito que podia. E obrigas-me a abrandar, a esperar e nessa espera estudo e aprendo mais umas quantas lições.

Agora sei que não posso dizer certas coisas. Tenho uma sensibilidade enorme mas esta deixa-me a maior parte das vezes sem argumentos, as outras pessoas não vão perceber. Sei que muitas vezes não posso interferir usando a minha sensibilidade para proteger uma pessoa de outra, por exemplo, porque não teria argumentos para o provar, nem teria provas e seria mal interpretada e que às vezes, aquela pessoa que eu queria proteger, precisa passar por isso para o seu próprio crescimento. É como a história da borboleta, é muito difícil sair do casulo mas se tiver alguma ajuda, as suas asa não serão tão fortes. E aprendi a calar e, por muito que me custe, ficar a assistir ao que já sei que vai acontecer.

A sensibilidade a mim ajuda-me muito nas minhas decisões e está por detrás de cada gesto e palavra ou de cada vez que me calo e fico quieta, que às vezes demonstra muito mais sabedoria e é muito mais difícil fazer.

Ainda assim, quando não me consigo centrar, lá vens tu, tocas-me no ombro e dizes a palavra certa ou a frase que me tranquiliza. E interferes nos meus pensamentos sempre que a mente me quer provar algo que não sinto. Aí fazes-te presente, apenas numa chamada de atenção, e desapareces novamente até à minha próxima necessidade, deixando-me cada vez mais e cada vez por mais tempo, caminhar por mim própria.

És a perfeição, não sei quem és nem preciso saber. Nunca te vi mas sinto-te e oiço-te e agradeço-te, hoje, amanhã, sempre".

 

Fernanda Cruz

 

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